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jun 23, 2021 559 0 Dina Mananquil Delfino, Australia
ENVOLVA-SE

PANDEMIA: BÊNÇÃO OU MALDIÇÃO?

Reminiscência

“Você tocou meu café!”, o cliente gritou com a jovem barista, que começou a derramar lágrimas enquanto impotente tentava oferecer um novo copo para a mulher irritada. Percebemos que ela não era da cidade, e os patrões logo defenderam a jovem funcionária. “Se você está tão preocupada com a contaminação, você nem deveria sair de casa! “, gritou o patrão.  “Fique em casa!”, outro acrescentou.

Como membro de pastoral, ofereci-lhe uma palavra de conforto. Enquanto ela se desculpava entre soluços, lembrei-a que o ambiente atual estava deixando todos tensos, que ela não deveria levar para o lado pessoal e não deixar isso arruinar seu dia. Alguns minutos depois, tive que seguir meu próprio conselho. Quando, acidentalmente, ultrapassei a marca de 1,5 metros no supermercado, um senhor reclamou comigo: “Fique no seu lugar!”, dando-me uma cutucada no braço para reforçar sua reclamação.  Quando levei minha neta para fazer um exercício físico muito necessário, ela foi repreendida por um transeunte, gritando “1,5 metros!”, furioso. Uau!!!

Estes são apenas alguns incidentes do que poderiam ser casualidades ocultas da pandemia Covid-19. O medo e a ansiedade que penetraram, drenaram o amor, a alegria e a graciosidade da vida. Quase ninguém sorri.  Cabisbaixos, olhos, alarmantemente, vigilantes, mas espaçados, a linguagem corporal, claramente, sinaliza: “Fique longe de mim”. Isso é, facilmente, compreensível quando enfrentamos um inimigo perigoso e invisível e não sabemos quem sobreviverá antes que a pandemia termine. Milhares de vidas e a subsistência afetada. O distanciamento social e o auto isolamento tornaram-se o escudo tão necessário contra este vírus novo e desconhecido.

Vítimas ocultas e não ocultas

Todos nós fomos afetados por isso. A tristeza, pela perda de entes queridos, incluindo os nossos dedicados heróis profissionais de saúde da linha de frente, é esmagadora e inacreditável. A tristeza, por qualquer causa, torna-se avassaladora quando os enlutados são incapazes de receber o conforto de amigos e familiares.  Meu coração se parte por eles e eu só posso orar por suas almas e pelo conforto das suas famílias. As autoridades governamentais e de saúde fizeram de tudo para impor o que sabiam ser as melhores medidas para controlá-lo e evitá-lo. Muitos deles consideram a pandemia como uma guerra. E houve de fato baixas. Todas as nações caíram de joelhos.

Mas qual foi o seu impacto em mim, pessoalmente? Quando o bloqueio e a paralisação foram impostos, olhei para os projetos nos quais eu deveria estar trabalhando. Naquele momento, eles pareciam irrelevantes. Decidi colocá-los na garagem, sabendo que não seria capaz de trabalhar neles agora. Minha perspectiva, rapidamente, mudou do futuro para apenas viver a vida a cada momento e nada é tão importante quanto à saúde e à segurança. Quando tive que visitar o médico por um problema de saúde, implorei ao Senhor que me poupasse de precisar de cuidados hospitalares, pois temia o ambiente lá.

Eu me tornei mais reflexivo e examinei o que em minha vida precisava mudar. Todos os dias, eu rezo de joelhos pedindo ajuda ao Senhor. A cada hora, começo a rezar meu Salmo favorito, o 91, pedindo para que Deus proteja a todos, e rezo:  “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha misericórdia de mim, um pecador”.

Bênçãos disfarçadas

Eu costumo ficar animada com projetos futuros, mas com o Covid-19, o futuro ficou desfocado. O desconhecido tornou-se minha realidade diária.  Como eu estava acostumada com uma vida muito ocupada, eu precisava encontrar atividades para me ajudar a lidar com isso na pandemia. Eu cozinho mais para a família. Desde que minha filha e meu genro passaram a trabalhar em casa, eu assumi deveres substanciais na cozinha.  A vida familiar se tornou nosso fundamento. As primeiras semanas, ficar em casa 24 horas por dia, 7 dias por semana, foram difíceis, mas as coisas melhoraram à medida que foi dada maior importância para a solidariedade familiar e passamos a nos apreciar mais. Cada um de nós contribuiu mais para os deveres domésticos.

A lavanderia diária se transformou em um consolo. Um suave zunindo é o som de normalidade. Ter tempo suficiente para limpar armários e arrumar a casa me deu um propósito. Dormir se tornou uma fuga no início, mas depois também percebi o quão exausto meu corpo estava ao longo dos anos e acolhi o descanso e a desaceleração. Meu banho da manhã mudou-se para um ritual da tarde. Eu corria para as lojas para comprar itens essenciais pela manhã, enquanto havia estoque disponível. Simplicidade tornou-se uma norma: sem maquiagem, sem perfume, apenas meu “eu desfeito”.

Pequenos milagres acontecem. Quando eu estava desesperada por papel higiênico, lenços umedecidos e sprays desinfetantes e nenhum foi encontrado nas prateleiras, acabei encontrando alguns que foram deixados em um carrinho abandonado!

Onde está Deus?

Relatos de algumas partes do mundo revelam que a natureza está tendo um descanso para recuperação à medida que a poluição foi reduzida, e o céu, oceanos e florestas revivem. O fechamento de nossas igrejas durante a Quaresma e a Páscoa foi, particularmente, difícil, e eu me pergunto que mensagem o Senhor está nos revelando. Onde está Deus em tudo isso? Muitas pessoas perguntam. Mensagens espirituais são abundantes. A maioria delas é encorajadora, afirmando que Deus não é a fonte disso, pois Ele não conhece o mal, mas Ele está viajando conosco nesta jornada dolorosa, assim como fez quando Ele sofreu aqui na terra conosco e Sua Ressurreição nos dá esperança de que vamos suportar esta provação.

Nosso grupo de oração que tem se reunido, semanalmente, nos últimos 22 anos não foi desencorajado pelo confinamento. Liderados pelo Espírito Santo, realizamos nossa reunião de oração e companheirismo espiritual por conferência telefônica todas as sextas-feiras e reunimos mensagens proféticas e exortações para lidarmos com esses tempos difíceis.

Ao abraçar o uso da tecnologia, continuamos conectados aos nossos sacerdotes, que continuam a celebrar a Missa para nós. A bênção disso foi que muitas pessoas que não participavam da Missa, anteriormente, juntaram –se a nós, em sintonia com encontros e com ensinamentos da Igreja, abrindo assim o caminho para uma mais profunda e interior compreensão da Fé. Nunca mais terei como certo o presente da Eucaristia. É o jejum mais profundo que já experimentei.

Recentemente, recebi uma ligação de uma amiga que está com uma doença grave, a qualquer momento, ela poderá morrer por problemas cardíacos e renais. Quando ela saiu do hospital depois de outra série de complicações, ela me disse que sua perspectiva era de um dia de cada vez. Eu refleti que estamos todos no mesmo barco.

Covid-19 nos ensinou uma lição importante: valorizar cada momento e ser cheio de gratidão a Deus, desde o instante em que acordamos e durante todo o dia. Palavras e atos de amor precisam ser falados e realizados agora, aqui e não amanhã.

Já agradecemos, verdadeiramente, a alguém que nos serviu hoje?

“Novas todas as manhãs é o seu amor, grande Deus da luz, e durante todo o dia o Senhor está trabalhando para o bem no mundo. Realize-se em nós o desejo de servi-Lo, de viver pacificamente com nossos vizinhos e com toda a Sua Criação, e dedicar todos os dias ao seu Filho, nosso Salvador Jesus Cristo.” Amém.

— Trecho de “Upper Room Worship” Uma Liturgia para Oração da Manhã.

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Dina Mananquil Delfino

Dina Mananquil Delfino é conselheira, trabalhadora comunitária, facilitadora de pré-casamento e Membro da Pastoral da Paróquia de São Miguel, Berwick. Ela mora em Pakenham, Victoria (Austrália) com sua família.

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